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Dia Mundial de Luta contra a Aids - Enquanto houver vida sendo negada, haverá luta

Carta pública do Mopaids no Dia Mundial de Luta contra a Aids 2025 denuncia retrocessos globais, desigualdades, ataques ao SUS e à resposta comunitária, reafirmando a defesa da vida, da dignidade e dos direitos humanos.

Dia Mundial de Luta contra a Aids - Enquanto houver vida sendo negada, haverá luta - Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids (Mopaids)
Dia Mundial de Luta contra a Aids - Enquanto houver vida sendo negada, haverá luta | Foto: Mopaids/Freepik

Mopaids
27/11/2025

O Dia Mundial de Luta contra a Aids, celebrado em 1º de dezembro, é um chamado à memória e à ação. É o momento de reafirmar que a luta contra a aids não é apenas uma questão biomédica — é uma questão política, social e ética.

Em 2025, o Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids) vem a público denunciar o retrocesso global na resposta à aids. O que vemos é o desmonte de estruturas históricas, o esvaziamento de recursos, o enfraquecimento do Unaids e uma crescente desumanização das políticas públicas.

A ONU fala em “acabar com a aids como problema de saúde pública até 2030”, como se fosse possível decretar o fim de uma epidemia que ainda tira 630 mil vidas por ano e infectou mais de 1,3 milhão de pessoas apenas em 2023. Não se acaba com a aids por decreto. Acaba-se com a aids com compromisso político, investimento contínuo e garantia de direitos humanos. No Brasil, o UNAIDS teve - e ainda deve ter — um papel fundamental na mobilização de diversos atores, na definição de prioridades e na construção de compromissos. O fechamento de seus escritórios locais e regionais, não apenas limita a capacidade de articulação, como também fragiliza de maneira significativa a resposta coletiva à epidemia.

Enquanto uma pessoa morrer em decorrência da aids, a aids continuará sendo um grave problema de saúde pública. Enquanto uma pessoa for discriminada ou tiver seus direitos negados por viver com HIV/aids, haverá movimento social resistindo e lutando por dignidade.

A aids nasceu das desigualdades — e é nelas que continua se sustentando. Pessoas negras, mulheres, LGBTI+, trabalhadoras sexuais, pessoas em situação de rua, usuários de drogas, pessoas privadas de liberdade — são os corpos mais atingidos por um sistema que exclui e nega humanidade.

É preciso nomear as responsabilidades. O PEPFAR (Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da Aids), criado no governo Bush e amplamente mantido sob a tutela de interesses políticos e religiosos, foi sendo gradualmente capturado por uma agenda moralizante, que condiciona o financiamento à adesão a valores conservadores. Sob o governo Donald Trump, essa lógica se intensificou: organizações comunitárias foram sufocadas, direitos sexuais e reprodutivos atacados, e a cooperação internacional substituída por chantagem ideológica.

O PEPFAR e a USAID, que deveriam ser instrumentos de solidariedade global, tornaram-se, muitas vezes, ferramentas de controle político e neocolonialismo sanitário, impondo aos países do Sul Global uma visão distorcida de moralidade e um modelo de resposta vertical e excludente. Enquanto o Norte define o que é “vida digna”, o Sul continua a morrer por falta de acesso, de autonomia e de respeito.

A ciência tem avançado. Há novas tecnologias com potencial real para frear a epidemia, como o lenacapavir, medicamento inovador da Gilead. Mas o avanço científico segue aprisionado pela lógica do lucro. É inaceitável que a América Latina tenha sido excluída dos acordos globais para acesso ao lenacapavir a preço justo. A ganância da indústria farmacêutica expõe a ferida da desigualdade: a vida segue valendo mais em alguns lugares do que em outros.

É nesse cenário de exclusão e desigualdade global que reafirmamos o valor do que é nosso. Enquanto o mundo transforma o cuidado em mercadoria, o Brasil segue sustentando, com coragem, um modelo de saúde pública universal e gratuito. O Sistema Único de Saúde (SUS) é mais do que uma política — é um ato de soberania, um compromisso histórico com a vida, a equidade e a dignidade humana. O SUS nasce da luta popular, das vozes que enfrentaram o autoritarismo e o abandono para garantir o direito de todos à saúde. É nele que a resposta brasileira à aids se tornou exemplo para o mundo, mostrando que solidariedade e ciência caminham lado a lado.

Mas o SUS resiste sob ataques. Sofre com o desfinanciamento, com a burocratização, com a omissão política e com o esquecimento das suas origens. Mesmo assim, continua sendo o maior ato de resistência coletiva deste país — e o principal instrumento de enfrentamento da aids e de tantas outras desigualdades que atravessam nossos corpos e territórios.

Não podemos dizer que tudo vai bem. Por aqui também há falta de vontade política, ausência de campanhas, retrocesso nas estruturas de governança e ONGs fechando as portas por falta de apoio. É urgente resgatar a alma da resposta brasileira, aquela que uniu sociedade civil, academia e gestores públicos em uma construção histórica pautada na solidariedade e na ética do cuidado.

Queremos deixar claro: não somos prestadores de serviço do poder público. Somos parte da resposta, somos guardiões da memória e da luta que fez do Brasil referência mundial. Queremos construir políticas — não apenas executá-las.

No estado de São Paulo, por exemplo, é inadmissível que municípios como Guarulhos e Santos tenham enfrentado baixo estoque de medicamentos. A política de aids vem sendo apagada. Onde estão as campanhas? Onde está o compromisso histórico deste estado com a vida?

Já na cidade de São Paulo, reconhecemos avanços concretos: máquinas de PrEP e PEP em estações de metrô, preservativos distribuídos em larga escala, serviços de portas abertas e uma política considerada modelo. Mas mesmo aqui, o desafio é profundo: mulheres negras ainda morrem por aids, pessoas seguem sem acesso às novas tecnologias e o estigma continua matando silenciosamente.

Se queremos avançar, é hora de revolucionar a comunicação. As pessoas precisam saber o que é prevenção combinada. Precisam saber que “indetectável = intransmissível (I=I)”. Precisam de campanhas permanentes, de linguagem acessível e de informação baseada em direitos.

A luta contra a aids é, antes de tudo, uma luta por justiça social e por humanidade. E enquanto houver vidas sendo negadas — por preconceito, por negligência, por lucro ou por omissão — haverá movimento social lutando. Porque a Aids nunca foi apenas uma questão de vírus. É uma questão de vida com qualidade e dignidade.