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Nosso adeus ao Padre Valeriano Paitoni, pioneiro no acolhimento a crianças e jovens vivendo com HIV

O sacerdote italiano foi referência no enfrentamento à Aids no Brasil, fundando casas de apoio, acolhendo crianças e defendendo o uso do preservativo como ferramenta de prevenção, em um gesto de coragem e humanidade.

Padre Valeriano, pioneiro no acolhimento de crianças com HIV/aids
Padre Valeriano foi pioneiro no acolhimento de crianças e pessoas vivendo com HIV/aids, deixando um legado de amor, solidariedade e coragem que transformou a resposta brasileira à epidemia. | Foto: Arquivo Consolata Brasil

Agência Aids e Foaesp
06/10/2025

Amoroso, acolhedor, inteligente, sensível, perspicaz, com humor e respostas assertivas. Sempre esperança e conforto. Sempre trabalhando para que o HIV não roubasse a cena. Padre Valeriano foi pioneiro no acolhimento de crianças e jovens que viviam com HIV no início da pandemia no Brasil. Ele morreu na madrugada do dia 05/10, em Turim, na Itália.

Reconhecido internacionalmente por sua atuação, foi um dos pioneiros no enfrentamento da Aids no país, coordenando e fundando casas de apoio, cuidando de pessoas infectadas, recebendo indicações e reconhecimento internacional por seu trabalho. Padre Valeriano, no decorrer de seu trabalho, foi defendido pelo Ministério da Saúde, por ativistas e gestores brasileiros.

Sempre a favor da prevenção, causou polêmica com a Igreja ao defender publicamente o uso da camisinha.

Padre Valeriano virou manchete nos jornais do Brasil e do mundo quando, no ano 2000, passou a defender publicamente a utilização de preservativos como forma de combater novas infecções pelo HIV, Contestando abertamente as orientações do Vaticano. Esse posicionamento público trouxe estresse e descontentamento na cúpula da Igreja paulista e no Vaticano.

Por conta de sua lucidez e defesa aberta em relação ao tema da prevenção, e pelo enfrentamento à postura da Igreja, recebeu, no início do ano de 2011, um comunicado de sua congregação — Instituto Missões Consolata — de que havia sido orientado para uma missão na Itália. Ativistas e gestores brasileiros reagiram imediatamente contra a decisão, que foi interpretada como uma retaliação contra o padre. Valeriano voltou à sua terra natal em abril de 2011.

Casas de Apoio Fundadas ou dirigidas pelo Padre Valeriano:

Lar Betânia: fundada por ele em 1991, a casa acolhia pessoas vivendo com HIV.

Casa Siloé: responsável por crianças que se infectaram pelo HIV por transmissão vertical, de mãe para filho.

Lar Suzanne: outra casa de apoio fundada por ele para crianças.

Reconhecimento e Legado:

1996 – Prêmio Brenda Lee de Diretos Humanos;
1997 – Prêmio Sheila Cortopassi – Personalidade;
1998 – Prêmio Theodoro Pluciennick de Direitos Humanos;
1999 – Prêmio Honra ao Mérito da UNAIDS;
2002 – Prêmio GIV –- Serviços prestados as PVHA;
2004 – Honra ao mérito do Fórum de ONG/Aids do Estado de SP;
2021 – Prêmio José Araújo Lima Filho – Direitos Humanos

Todo o reconhecimento e respeito de ativistas, médicos, gestores e fiéis da Zona Norte de São Paulo por sua dedicação, carinho, cuidados e compromisso com as crianças, adolescentes e adultos que cruzaram seu caminho e foram abraçadas pela amorosa generosidade do Padre Valeriano.

O trabalho do Padre Valeriano foi essencial para conscientizar a sociedade e a comunidade católica sobre as infecções pelo HIV, quebrando tabus e defendendo o direito a vida.

Apoio Institucional: O Ministério da Saúde também publicou uma nota em jornais defendendo o trabalho do Padre Valeriano, pedindo à igreja que refletisse sobre sua posição contrária à camisinha.

Acompanhe a repercussão entre profissionais e ativistas que conviveram e conheceram de perto o legado de Valeriano.

Dra. Marinella Della Negra, infectologista responsável pelo primeiro ambulatório que atendeu crianças com HIV no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo:
“Recebi uma notícia que me deixou triste: a morte do Padre Valeriano. Quem era este padre? — os mais jovens perguntarão. E, com muito respeito, saudade e de forma breve, esclareço que Padre Valeriano foi um representante da Igreja Católica que, nos primeiros anos da pandemia de HIV, foi responsável pela Casa Siloé, que abrigava crianças vivendo com HIV. Tinha uma personalidade marcante, cuidava e gerenciava a casa com muita responsabilidade e, nas horas vagas, era um artesão da madeira. Um adeus cheio de gratidão, carinho e saudade — e a certeza de que a recepção será uma festa.”

Dra. Maria Clara Gianna, ex-coordenadora do CRT/Aids de São Paulo:
“Padre Valeriano, temos uma enorme admiração pelo seu trabalho — pelo seu trabalho com as casas de apoio, pela criação da Casa Siloé para as crianças filhas de pais que viviam com HIV. Eram crianças que muitas vezes precisavam de todo cuidado e apoio, e aquelas casas de apoio — eu lembro bem da Casa Siloé, que ele esteve à frente — foram sempre referência importantíssima nos anos 80.
Nessa mesma época, tenho que falar também da importância do Padre Valeriano dentro da Igreja Católica, colocando em pauta as estratégias de prevenção e o uso do preservativo como forma de conter o crescimento do HIV. O Padre Valeriano foi fundamental nesses enfrentamentos. Nós temos que agradecer muito a importância das ações e atitudes do Padre Valeriano na consolidação e construção da resposta brasileira ao HIV e à Aids.”

Eduardo Barbosa, coordenador do Mopaids — Movimento Paulistano de Luta Contra Aids e presidente do Grupo Pela Vidda/SP:
“Muito triste esta notícia. Fiquei sabendo há pouco. Padre Valeriano foi um grande incentivador e partícipe da história inicial do Foaesp e do Mopaids. Além de todo o seu trabalho com as crianças vivendo com HIV e expostas nas casas de apoio mantidas por ele — Casa Siloé, Lar Suzanne e Lar Betânia, em especial. Atuou de forma incisiva na divulgação de métodos preventivos. E recordo, com emoção, uma celebração eucarística em que ele ergueu a camisinha no momento da consagração. Ele esteve muito além de seu tempo e sem estar preso a amarras, sejam elas quais fossem. Devemos manter viva a sua memória. Padre Valeriano, presente!”

FOAESP - Fórum das ONG/Aids do Estado de São Paulo:
“O Foaesp lamenta a morte de Padre Valeriano, ocorrida nesta madrugada, na Itália. Padre Valeriano foi grande incentivador e partícipe da história do Foaesp, sendo um dos fundadores do Fórum. Padre Valeriano desenvolveu trabalho junto a crianças vivendo com HIV/aids em casas de apoio mantidas por ele, como a Casa Siloé e o Lar Betânia. Todo o pioneirismo de Padre Valeriano, a quebra de regras, o acolhimento, e a luta pelas pessoas que vivem com HIV/aids fazem com que ele esteja sempre do nosso lado. Padre Valeriano, presente!”

Monitora, Parceria Brasileira contra a Tuberculose - Stop TB/Brasil:
“Faleceu hoje em Alpignano, província de Turim, na Itália, o Padre Valeriano Paitoni, aos 77 anos, de complicações do mal de Alzheimer.
Italiano de Breccia, se vinculou ao Brasil, em 1978, por meio do Instituto Missões Consolata (IMC). Teve forte participação na resposta brasileira a Aids, a partir a década de 1990 quando fundou o Lar Betânia, casa de apoio destinadas a pessoas vivendo com HIV/Aids, junto a igreja Nossa Senhora de Fátima no Imirim, zona norte de São Paulo. Posteriormente criou mais duas casas: Casa Siloé e Lar Suzanne, destinada a o acolhimento de crianças que se infectaram com HIV por meio de transmissão vertical. Também foi sua iniciativa a criação da Sociedade Padre Costanzo Dalbésio, ligada ao trabalho de assistência social para famílias carentes e a Vila Vitória, destinada aos jovens que já completaram 18 anos e não foram adotadas ou não voltaram para seus familiares.
Incentivador do movimento social, foi em um dos salões de sua paróquia que foi fundado o Fórum das ONG/Aids do Estado de São Paulo. Também fez parte da Comissão de DST/Aids da CNBB, grupo pioneiro de onde derivou a Pastoral da Aids, no ano 2000.
Seu compromisso com a vida o levou a se pronunciar várias vezes em favor do uso do preservativo, e contra práticas moralistas e excludentes, o que lhe deu visibilidade nacional e internacional e acabou causando atritos com a hierarquia da Igreja Católica, resultando em sua saída do Brasil, em 2011. Enviado para uma missão em Roma atuou posteriormente em diversas paróquias da região do Piemonte, até que o Alzheimer o levou a se afastar das atividades em 2022.
Pe. Valeriano foi um exemplo de dedicação, solidariedade e coragem. Sua luta enfrentou muitos obstáculos, mas deixou frutos de amor em centenas de crianças e jovens por ele acolhidos, que hoje são adultos integrados ao contexto social, com vida e saúde.
Pêsames a sua família, amigos e companheiros de luta.
Pe. Valeriano presente!”

Jean Carlos Dantas, Gerente do Planejamento do CRT DST/Aids-SP:
“Mais uma grande pessoa se apassarinhoo neste final de semana, nosso Padre Valeriano Paitoni, um dos grandes líderes na luta contra o HIV/AIDS no Brasil. Sua dedicação incansável e amor ao próximo transformaram vidas, especialmente ao abrir as portas de sua igreja para abrigar e apoiar crianças e adolescentes vivendo com HIV/AIDS.
Sua contribuição vai além, tendo acolhido o Fórum das ONG/AIDS do Estado de São Paulo em sua paróquia, fortalecendo a resposta ao HIV/AIDS em nosso estado.
Padre Valeriano deixa um legado eterno de cidadania, compaixão e amor ao próximo. Que sua memória inspire futuras gerações a continuar lutando pela saúde e dignidade de todos.”