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Ativistas brasileiros celebram a homenagem de Madonna às vítimas de aids

No momento mais emblemático de seu show em Copacabana, Madonna, durante a canção “Live to Tell”, homenageia as mais de 40 milhões de pessoas mortas pela aids.

Madonna durante show no Rio de Janeiro em que homenageou vítimas da aids | Foto: Reprodução/Rede Globo
Madonna durante show no Rio de Janeiro em que homenageou vítimas da aids | Foto: Reprodução/Rede Globo

Agência Aids
06/05/2024

Durante os anos 80, a aids dominava as manchetes de todos os jornais, revistas e canais de televisão no mundo inteiro e os corpos doentes se amontoavam nos hospitais por alguns meses até que viessem ao inevitável óbito. Na sua grande maioria homens que faziam sexo com homens, as vítimas da doença sofriam não apenas com as condições de saúde deterioradas, mas com o preconceito da sociedade e a inação dos governos para conter a epidemia através de políticas públicas. Mulheres (cis e trans) e crianças também eram infectadas pelo vírus do HIV, mas a ideia de “câncer gay” criada por setores moralistas das sociedades predominava todas as narrativas. Neste contexto, Madonna inicia sua carreira como cantora ao se mudar para Nova York, onde a comunidade LGBTQIAP+ a acolheu e com quem compartilhou não somente a vida, mas também a arte.

Em um dos momentos mais emblemáticos de seu show na praia de Copacabana no último sábado (4), Madonna dançou no palco ao lado de seu corpo de baile, até que todos vão desaparecendo de cena e ela se vê sozinha iniciando a performance da canção “Live to Tell”, na qual homenageia as mais de 40 milhões de pessoas mortas pela aids. No telão, aparecem imagens de anônimos e celebridades, inclusive de um de seus melhores amigos, o artista plástico Keith Haring, que dedicou grande parte de sua obra para chamar a atenção das autoridades e sociedade para a devastação que esta doença estava causando nos Estados Unidos e no mundo.

Com o avanço da ciência e o surgimento dos tratamentos antirretrovirais que possibilitou o controle da epidemia e uma vida digna às pessoas vivendo com HIV, a aids perdeu espaço na mídia e a epidemia, que foi controlada a um primeiro momento nos anos 2000 e 2010, volta a crescer nos dias atuais, principalmente entre as gerações mais jovens, devido às mesmas questões estigmatizantes da década de 80: desinformação e preconceito, mas hoje em dia se soma a falta de acesso aos medicamentos. 43 anos após o início da epidemia, Madonna trouxe de volta aos holofotes os anos de terror em que viu grande parte de seus amigos sucumbirem à enfermidade e morrerem ainda jovens e alerta para o fato de que a epidemia de aids continua matando ao redor do mundo. Para celebrar a importância desta performance da cantora, conversamos com alguns ativistas brasileiros para que comentem.

Confira seus depoimentos:

Alessandra Nilo, Coordenadora Geral da ONG Gestos

“O show da Madonna foi muito emocionante para todo mundo que acompanhou e viveu aquela época em que as pessoas morriam por não ter tratamento, além do medo, do estigma e da discriminação que sofriam as pessoas ao falar sobre o tema. É algo que vai mais além da questão das mortes físicas, mas as mortes sociais, que eram infligidas às pessoas naquela época. Além do mais, é muito interessante ver que ela foi uma líder nessa área, uma líder mulher. Porque também naquele momento, a aids não era tratada como assunto das mulheres. Ela sempre foi uma mulher que viveu plenamente a sua sexualidade e que sempre estimulou todas as pessoas a fazerem isso. Então, é muito oportuno que as juventudes que acompanham a Madonna hoje em dia e que gostam dos hits dela pela sua absoluta riqueza musical e o seu papel fundamental na música pop, verem-na aproveitando esse momento para resgatar essa história que fez diferença na vida de tantas pessoas.”

Alberto Pereira Jr., jornalista, vive com HIV há 14 anos

“Foi lindo e emocionante assistir, ao vivo, a homenagem aos que partiram em decorrência da aids nos primeiros anos de epidemia. Quatro décadas depois, Madonna segue quebrando estigmas e usando sua arte para confrontar preconceitos. A homenagem é um estímulo para nós, pessoas que vivemos com HIV, seguirmos sem arrefecer na nossa luta por conscientização sobre o vírus e a humanização dos nossos corpos, das nossas histórias. Celebramos nossa existência, nossa potência, nossa liberdade de ser, existir e seguir.”

Américo Nunes, presidente do Instituto Vida Nova

“Foi um momento muito emocionante, em especial pra mim principalmente, que vivo com HIV, e conheço o legado dos artistas in memorian. Com um vigor invejável, Madonna trouxe uma representatividade plural. A homenagem fez milhões de pessoas lembrarem que a aids ainda está presente e que juntos podemos eliminar o HIV.”

Marta McBritton, diretora do Barong

“Diante do contexto, ela ter lembrado das pessoas que morreram de aids de fato, ter feito essa homenagem, inclusive incluindo os nossos artistas brasileiros, foi muito emocionante, porque a gente vem vivendo um cenário de apagamento já faz muito tempo. E esse cenário se mantém. Nem com a mudança de governo a gente tem visto um movimento mais inovador em relação à política de aids. Então, acho que no momento em que a Madonna se apresenta para uma multidão, 1,6 milhão de pessoas, e lembra da questão do HIV, aquece o coração vê-la lembrar das pessoas queridas que morreram de aids, não só no Brasil, mas pelo mundo afora.

“Ao mesmo tempo que foi muito legal, foi muito frustrante também, porque teria sido muito bacana se a gente tivesse visto nesse show uma ação do Ministério da Saúde, uma ação do departamento do Dathi (Departamento de HIV/AIDS, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis), de distribuição de camisinhas, de indicação para PrEP, para PEP, acho que se perdeu uma grande oportunidade de não ter trabalhado neste momento. Mas o que foi mais legal, ainda uma política de redução de danos ali, tinha a distribuição de água, que eu achei bacana, mas isso foi uma ação da própria prefeitura do Rio. Houve testagem feta pela ONG Pela Vidda, mas eu não vi nada de grande porte. Agora, o que foi para nós mais legal, foi o resgate da bandeira. Eu tenho recebido algumas mensagens com a ideia das pessoas irem de verde e amarelo na Parada LGBTQIAP+ de São Paulo, em junho. Eu achei isso muito interessante.”

Veriano de Souza Terto Jr., Diretor da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de aids)

“É muito importante que, nesse momento, uma celebridade como a Madonna, alguém que tem um alcance planetário como ela na grande mídia, possa falar da aids e mostrar a importância da aids, nem que seja para falar dos seus lutos, das suas mortes. Nesse momento em que a doença parece ter perdido a sua excepcionalidade, já não parece chamar a mesma atenção de antes, parece ser um problema resolvido, vem uma pessoa como ela e traz esse impacto que a aids trouxe na vida dela, dos amigos, mas também na vida do planeta, na vida do mundo em geral.

“Além disso, ela trouxe essa questão de um luto, falou do impacto da falta, as contribuições que essas pessoas deram, como Betinho, como Keith Haring, tantos artistas que faleceram de Aids, escritores, acadêmicos, cientistas, enfim, toda uma gama de pessoas que tiveram suas vidas interrompidas. E celebrar isso nesse momento é também valorizar a vida e valorizar as contribuições dessas pessoas e reforçar a solidariedade. Quando a gente passa pela Covid com mais de 700 mil pessoas mortas e quase ninguém mais fala sobre isso, nem dos mortos da aids, é uma maneira de mostrar como a gente trata a vida nessa cultura, como é que a gente trata a vida do outro e a vida em geral, com desinteresse e sem dar tanta importância.”

Renata Souza, representante do Movimento Nacional das Cidadãs Positivas no Conselho Nacional de Saúde

“Eu fiquei muito impactada com a homenagem. Eu não esperava menos, afinal a Madonna é um ícone. Ela me deixou com o coração quentinho ao trazer para a pauta uma discussão que é tão importante, tão urgente ainda nos dias de hoje com tudo que nós passamos com tantas pessoas que aids já levou, já que os grandes recursos investidos para essa epidemia diminuíram muito e a nossa realidade é que as pessoas morrem hoje de violência, preconceito, medo e fome.

“Muitas vidas que foram levadas em decorrência do HIV, mas a gente percebe a nível nacional que o vírus não é mais a pauta do momento, por isso a gente precisa de pessoas que assim como a Madonna, que ocupam os espaços de liderança e fala.”

 

Por: Marina Vergueiro