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Dia Mundial de Luta Contra a Aids

Em defesa da saúde da população em situação de rua, ativistas do movimento aids ocupam a Praça da Sé, em São Paulo, e exigem a garantia dos direitos humanos

Mopaids foi às ruas em um ato pelo direito à saúde da população em situação de rua, considerada mais vulnerável à infecção pelo HIV. | Foto: Agência Aids
Mopaids foi às ruas em um ato pelo direito à saúde da população em situação de rua, considerada mais vulnerável à infecção pelo HIV. | Foto: Agência Aids

Agência Aids
01/12/2023

Neste 1 de dezembro – Dia Mundial de Luta Contra a Aids, o Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids (Mopaids) juntamente com diversas instituições e ONGs dedicadas à defesa das pessoas vivendo com HIV/Aids, foi às ruas em um ato pelo direito à saúde da população em situação de rua.

A manifestação teve concentração no centro da cidade, na Praça da Sé. Entre gritos de viva a vida, menos preconceito, mais respeito e dignidade, os manifestantes pediram por políticas públicas de saúde, moradia e alimentação voltadas para a população em situação de rua, considerada mais vulnerável à infecção pelo HIV.

Durante a manifestação, representantes da sociedade civil destacaram a necessidade urgente de que o estado reconheça as vulnerabilidades dessas pessoas e adote medidas concretas para proporcionar condições dignas de vida. As estatísticas de novas taxas de infecção e mortalidade por aids, que segundo eles, são mortes evitáveis, também foram destaques.

Além disso, a manifestação abordou a importância de políticas públicas integradas, visando não apenas a mitigação dos riscos de infecção pelo HIV, mas também a criação de oportunidades para que essa população deixe a situação de rua.

“Estamos aqui na Sé para chamar atenção para a saúde da população em situação de rua. Essas pessoas não precisam apenas de remédio, elas precisam ter seus direitos garantidos”, disse Eduardo Barbosa, coordenador do Mopaids.

“Nós do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas nos juntamos ao Mopaids em defesa da população de rua que, população essa que vive diversas vulnerabilidades e que infelizmente não tem políticas públicas para atendê-la. Nós queremos, enquanto cidadãs positivas, dizer que depois de quarenta anos, esperamos a cura já, não queremos apenas medicamentos”, falou Maria Elisa, representando as mulheres vivendo com HIV/aids.

Na sequência, Ghe Santos, vice-presidente do SER – ONG Para Todes e secretário do consulado das Famílias LGBT, reforçou a luta das juventudes. “Neste ato do 1 de dezembro estamos aqui pela juventude que tem morrido em decorrêrncia da aids.”

As necessidades das crianças e adolescentes não ficaram de fora. “O vírus tem aumentado e as pessoas não sabem que uma pessoa com HIV indetectável não transmite porque estamos sem políticas nas escolas, então vamos brigar hoje, mas também o ano todo para que a saúde sexual e reprodutiva volte a ser discutida nas escolas, que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja respeitado, é uma conquista, vamos brigar então para que as pessoas saibam dos seus direitos”, falou Marta McBritton, presidente do Instituto Cultural Barong.

Chamando atenção para a co-infecção TB/HIV, o ativista José Carlos Veloso, da Rede Paulista de Controle da Tuberculose, lembrou que “a TB é a doença contagiosa que mais mata as pessoas vivendo com HIV/aids e a segunda doença que mais mata pessoas no mundo, perdendo somente para a Covid-19, por isso é importantíssimo a gente saber como está acontecendo a epidemia de HIV/aids no Brasil, que acomete mais a população jovem, de 15 a 29; mas isso não é novidade, isso já acontece há pelo menos uma década. Temos que articular estratégias de políticas públicas de proteção social a partir do entendimento de que HIV tem muito a ver com os determinantes sociais”, falou.

O presidente do Fórum de ONGs/Aids de São Paulo, Rodrigo Pinheiro, também participou do ato. “Este é um importante espaço para dar visibilidade a uma população que é esquecida pelo governo. Não se vê discussões de políticas públicas para as pessoas que estão na rua”, disse.

Para além do ato

Enquanto um a um, os ativistas iam chamando a atenção de quem passava pela praça para o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, acontecia atividade de beleza voltada para mulheres trans e travestis com maquiagem e penteados. Além disso, agentes de prevenção do Instituto Cultural Barong realizavam testes de HIV, sífilis e hepatite C. Para quem testou positivo para alguma infecção, foi possível fazer encaminhamento para o tratamento. Água mineral e lanches também foram distribuídos gratuitamente.

“Estamos aqui para reivindicar promoção de saúde para as pessoas vivendo com HIV/aids e pessoas em situação de rua. Queremos quebrar as barreiras de acesso de uma população tão invisibilizada. Queremos respeito! Não sabemos quantas pessoas estão vivendo com HIV/aids em situação de rua, por isso estamos aqui na Praça da Sé para pedir respeito e assistência integral e uma resposta à Prefeitura. Temos muito a avançar para atingir a meta de eliminação da aids até 2030. Saúde é fundamental e não pode estar descolada dos Direitos Humanos”, disse Américo Nunes, do Instituto Vida Nova, que liderou o ato.

GR Fonseca é um homem em situação de rua e vive na região da Sé. Fonseca pediu o microfone e compartilhou sua realidade: “Eu sou o cara que dorme nesse chão, eu sou o cara que foi acordado hoje às seis horas da manhã com um jato de água gelada na cara […]”. Na sua intervenção, pediu que a sociedade e os governantes lhes enxerguem.

Passeata até a Prefeitura

Após a concentração na Praça da Sé, os manifestantes seguiram em uma passeata até a Prefeitura, onde protocolaram documento oficial direcionado ao prefeito Ricardo Nunes. A carta expressava as demandas mais urgentes e a necessidade de uma resposta efetiva por parte das autoridades municipais. “Pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia. São muitos os sinônimos para definir a realidade da população em situação de rua. Os obstáculos no acesso à alimentação, saúde, higiene e direitos são apenas algumas dificuldades que essas pessoas enfrentam diariamente e as tornam ainda mais vulneráveis, inclusive às infecções sexualmente transmissíveis, ao HIV/aids e à tuberculose. Esse grupo, invisibilizado há tantos anos e tão heterogêneo, está à margem das políticas públicas.”, diz um dos trechos do documento.

“A realidade das pessoas em situação de rua é bem diferente: elas são alvo de violências, como chacinas e extermínios, espancamentos, retirada dos pertences, são impedidas diariamente de acessar os serviços e espaços públicos, entre outras ações de cunho higienista, como a expulsão das regiões centrais da cidade. O preconceito e a discriminação em relação à população em situação de rua têm relação com a ideia de que o indivíduo é inteiramente responsável por sua condição de vida precária. É preciso compreender que, assim como qualquer cidadão, a pessoa em situação de rua é sujeita de direitos e deveres, mas que, por viver em condições extremas de miséria, abaixo da linha da pobreza, tem seus direitos sistematicamente ignorados pela sociedade e pelo poder público”, diz outro trecho da carta.

Os ativistas pediram ainda a volta das estratégias em redução de danos para usuários de álcool e outras drogas: “A redução de danos – uma abordagem ao fenômeno das drogas que visa minimizar danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias psicoativas – e a medicina precisam estar centradas na pessoa como parte fundamental de um cuidado integral e respeitoso a vida e ao contexto social das pessoas em situação de rua. A redução de danos compreende um olhar singular sobre o contexto do sujeito.”

Enquanto a entrega do documento na prefeitura acontecia, o movimento social seguia na frente do prédio da prefeitura aos gritos por mais respeito e menos discriminação. Ao mesmo tempo, voluntários também ofereciam materiais informativos e insumos de prevenção a quem passava pelo local, dentre eles camisinhas internas e externas [femininas e masculinas] e gel lubrificante.

Leia a carta na íntegra

A população em situação de rua existe e é preciosa para nós

Pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia. São muitos os sinônimos para definir a realidade da população em situação de rua. Os obstáculos no acesso à alimentação, saúde, higiene e direitos são apenas algumas dificuldades que essas pessoas enfrentam diariamente e as tornam ainda mais vulneráveis, inclusive às infecções sexualmente transmissíveis, ao HIV/aids e a tuberculose. Esse grupo, invisibilizado há tantos anos e tão heterogêneo, está à margem das políticas públicas.

Por isso, neste 1º de Dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, o Movimento Paulistano de Luta Contra Aids se une as milhares de vozes de pessoas em situação de rua para denunciar o descaso com a saúde desta população. O racismo a e violência letal contra essas pessoas são reais na maior metrópole da América Latina.

Prefeito Ricardo Nunes, queremos saber quantas pessoas vivem em situação de rua na cidade? Qual a cor, o gênero, a condição de vida dessas pessoas? Quantas vivem com HIV? Tuberculose? Quantas pessoas têm acesso à saúde? Não dá para negar que crianças, adolescentes e adultos em situação de rua são ignorados pelas estatísticas e, consequentemente, pelas políticas públicas.

Os artigos 1º, 3º e 5º da Constituição Federal de 1988 prescrevem como fundamento do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana e, como objetivos, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais, além da promoção do bem-estar de todos sem preconceitos de qualquer natureza.

Apesar disso, a realidade das pessoas em situação de rua é bem diferente: elas são alvo de violências, como chacinas e extermínios, espancamentos, retirada dos pertences, são impedidas diariamente de acessar os serviços e espaços públicos, entre outras ações de cunho higienista, como a expulsão das regiões centrais da cidade.

O preconceito e a discriminação em relação à população em situação de rua têm relação com a ideia de que o indivíduo é inteiramente responsável por sua condição de vida precária. É preciso compreender que, assim como qualquer cidadão, a pessoa em situação de rua é sujeita de direitos e deveres, mas que, por viver em condições extremas de miséria, abaixo da linha da pobreza, tem seus direitos sistematicamente ignorados pela sociedade e pelo poder público.

Prefeito, cadê a promoção da saúde destas pessoas? O que falta fazer para escancarar as portas dos serviços de saúde e acolher com dignidade essa população? Mulheres trans e travestis vivendo com HIV e em situação de rua ainda morrem em decorrência da aids na cidade, são mortes evitáveis. Os serviços estão abandonando essas pessoas. Não adianta dar medicamento quando não há o que comer, não há onde morar.

Falando em aids, cadê a política de redução de danos? Jamais acabaremos com a aids e a tuberculose enquanto problema de saúde pública sem um olhar atento e solidário as pessoas em situação de rua.

A redução de danos - uma abordagem ao fenômeno das drogas que visa minimizar danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias psicoativas - e a medicina precisam estar centradas na pessoa como parte fundamental de um cuidado integral e respeitoso a vida e ao contexto social das pessoas em situação de rua. A redução de danos compreende um olhar singular sobre o contexto do sujeito.

A atuação em redução de danos, hoje, tem uma perspectiva ampla, de promoção de direitos individuais e sociais de usuários e usuárias de drogas. Atua na perspectiva transdisciplinar de saúde, cultura, educação, assistência social, trabalho e renda, visando a garantia do cuidado e dos direitos.

Neste Dia Mundial de Luta Contra Aids, aproveitamos para mandar um recado também ao governo Federal. Ministra Nísia Trindade e presidente Lula, já passou da hora de incorporarmos de fato novas medicações contra a aids no SUS. Temos certeza de que o medicamento de longa duração, aplicado a cada dois meses, faria diferença na vida das pessoas vivendo com HIV, em especial, das pessoas em situação de rua. Temos que inserir a prevenção combinada também no contexto das pessoas em situação de rua.

Dezembro Vermelho sem luta, não é dezembro. Fica aqui a nossa indignação com a falta de políticas públicas, o nosso reconhecimento ao que tem sido feito em São Paulo e o nosso compromisso de seguirmos, todos juntos, na luta contra aids, a favor dos direitos humanos e das minorias.

Parafraseando o atual Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a população em situação de rua existe e é preciosa para nós.

Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids)